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  • Foto do escritorAndré Soltau

Eu, a imagem e a palavra

André Soltau . Outono 2020

(Fotografia de André Soltau, que fez parte da exposição Histórias da Terra e circulou por SC no ano de 2000 compondo o catálogo de Artistas Blumenauenses no ano de 2001)


O que acontece internamente quando estamos diante de uma imagem?

Essa pergunta me acompanha desde que sou criança. Gostava de ver e rever, por horas, as velhas fotos guardadas por minha mãe em uma caixa de charutos cuidadosamente guardada no fundo de uma gaveta. Lugar sagrado que só poderia acessar com a autorização dela.

Anos depois, já na adolescência, tive um cunhado que fotografava casamentos, batizados e aniversários. Ganhava seu dinheiro fazendo fotos 3x4 e revelando em um laboratório fotográfico improvisado em um banheiro. Lugar mágico que levei anos para ter autorização de entrar, usar e trabalhar com os líquidos que davam vida às imagens.

Essa breve trajetória até a adolescência foi o suficiente para que eu me tornasse um profundo admirador (e colecionador) de imagens que me emocionam, alimentam e inspiram. Como assim? Como pode uma imagem alimentar? Como os traços de uma imagem podem emocionar ou inspirar? Estar diante de uma imagem (seja ela fotografia, colagem, pintura em tela ou até mesmo um filme) é estar diante do tempo.

Conto a vocês qual o significado dessa afirmação para um escritor como eu.

O tema de uma imagem pode ser privado de alguns sentidos, não podemos tocá-lo, cheirá-lo ou sentir o sabor. Mas digo que a imagem move nesse escritor o que é fundamental para a criação literária: construir espaços, cenários, figurinos, comportamentos ou hábitos exóticos ou pretéritos. Pronto, acontece o encontro.

A imagem provoca no escritor pensamentos e ativa a memória. As imagens provocam em mim a necessidade de dar sentidos, uma espécie de ponto de interrogação que, além de mexer com meus sentidos, provoca a imaginação. Claro que meu olhar nunca é neutro. O que veja diz muito mais de mim do que apenas da imagem. Me (re)conheço diante de uma imagem.

Esse processo de estar envolvido de imagens, colecionar pastas com materiais que sempre revisito, quadro em paredes, trabalho com fotografia analógica e ensaio para pintar telas alimenta ( e muito) minha escrita que busca aromas, texturas e sons. Descrevo uma situação como se estivesse diante de um belo quadro. Procuro formular parágrafos como se estivesse admirando uma fotografia feita com esmero para registrar exatamente o que o olho vê.

Fotografias que inspiram contos, telas que provocam poesias, a cidade e suas esquinas que alimentam crônicas. Essa é a dinâmica do escritor quando está diante de uma imagem.

Não posso esquecer de dizer que o tempo de leitura de uma imagem é outro e exige mais do que tempo matemático. Exige um tempo de contemplação que está muito além do corre-corre diário. Exige que aprendamos a degustar o visto e, principalmente, que demos ouvidos aos pensamentos que chegam até nós quando estamos diante de uma imagem.

A minha escrita se alimenta na imagem assim como o eu-escritor revê conceitos após o encontro com algo que emociona.



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