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  • Foto do escritorAndré Soltau

Entrevistando Maria Conceição Pereira uma história de lutas

André Soltau . Outono 2020




A oportunidade em ouvir histórias orais narradas é, sem dúvida, um privilégio. Mas há de se ter o cuidado com o tratamento do que se ouve.


É mais do que um método de descobrir fatos passados porque somos, como pesquisadores, forçados a lidar com muitas camadas de significados e interpretações subjetivas que estão nas memórias pessoais destacando, também, que os testemunhos são fontes necessárias para entender as várias cidades e contextos socioculturais de uma época e região.

Dona Conceição nasceu em Itajaí no ano de 1954 e aqui se criou, trabalhou e fez sua vida tendo em mente a máxima de seu pai Acácio: “ Uma mulher nunca deveria se submeter a um homem por um prato de comida”. E assim foi fazendo-se forte, batalhadora e sem medo de enfrentar agruras da vida. Teve dois filhos: Luiz Acácio e Jurandir (já falecido).

Tive a felicidade de ser recebido por Dona Conceição – como é conhecida nas lutas sociais e movimentos culturais de Itajaí - em uma conversa sempre acompanhada de risos e histórias divertidas, com uma energia intensa que aparece os olhos e na entonação da voz.


Filha do Sr. Acácio, um homem forte e corajoso que ousou fundar sindicatos de estivadores nessa cidade que cresceu em torno de um porto que carrega riquezas pertencentes à poucos.


Dizia ele aos filhos e filhas: “Um trabalhador nunca pode estar ao lado do patrão” e assim fez com que sua trajetória por essa cidade tivesse as marcas de um homem que defendia os menos favorecidos socialmente. De fala mansa e de pouca briga. Mas quando entrava em uma, perdia o controle e usava a força para resolver.


Dona Conceição aprendeu com esse pai sobre as conquistas necessárias e seguiu os passos militando em movimentos negros no estado de Santa Catarina. Atualmente é representante da Câmara Setorial de Expressões Culturais Afro-Brasileiras de Itajaí/SC.


Sua mãe Iracema, mulher forte e trabalhadora ensinou que família é o centro de formação pessoal. Trabalhou na fábrica de tecidos. Depois assumiu casa e nunca negou um trabalho. Costurava muito, vendia comida. Cozinhava muito bem.


Dona Conceição aprendeu com sua mãe sobre a importância de manter uma família unida, alegre e com o respeito a todos e todas que fazem parte desse grupo, que é o começo da educação para a vida.


Lembra Dona Conceição que sua mãe era uma mulher bonita, tratada com respeito e reverência pelo pai Acácio que elogiava sua roupa, a comida e o modo que educava filhos. "Meu pai elogiava e tinha orgulho de ter a mulher que tinha. Elogiava até um pirão com linguiça que ela fazia apressada, quando não dava tempo para um almoço mais elaborado", diz Dona Conceição.


Moravam em uma casa popular na Rua Jorge Mattos. Primeiras casas populares da cidade, com construções todas brancas e separadas por cercas de madeira. Tiveram três filhas biológicas: Rosa Maria, Virgínia e Conceição, o menino Manoel e adotaram o sobrinho Amaro.


Seu Acácio costumava levar os filhos de bicicleta até a praia de Cabeçudas para aprenderem a nadar, usando tronco de bananeira. Não sem o consentimento de Dona Iracema, que tinha métodos bastante eficientes para exercer esse controle quando não tinha dado autorização: costumava lamber os filhos para saber se haviam tomado banho de mar sem ela saber.


Qualquer encontro de família começava na beira do mar com a alegria costumeira. Mesmo que sua mãe, Dona Iracema não gostasse de mar. Medo que também carrega Dona Conceição que observa, admira e relaxa diante do mar, mas tem medo enorme dele.


Conta Dona Conceição que o medo é tão grande que um dia entrou em um submarino da marinha e teve pânico (precisou ser segurada por alguns marinheiros para descer a escada). Noutro dia também subiu com alunos em um navio da marinha. A escada era vazada e teve ajuda de três marinheiros para subir. Nem o coquetel a bordo do navio teve gosto naquele dia, de tão assustada que ficou.


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Como escritor e historiador não olho apenas os fatos narrados para a composição de meus contos a serem publicados, mas olhando os gestos, a entonação da fala e a resposta emocionada que expõem a subjetividade da existência humana. Escuto versões muito particulares de um passado como uma possível resistência da narrativa oficial que, quase sempre, silencia essas falas.

O conto em que Dona Conceição será a protagonista não pode esquecer que a luta social e a força de uma mulher precisam, necessariamente, serem os temas que envolvam a trama.

Este é o desafio do escritor: cuidar para que a narrativa de Dona Conceição não seja esquecida.


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